“O fascismo não é exclusivo da direita”, diz a mestranda da UFBA (Universidade Federal da Bahia), autora do “Manifesto Traveco-Terrorista” e cantora Tertuliana Lustosa, 28. A travesti virou alvo de conservadores como o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), críticos a uma performance sua na UFMA (Universidade Federal do Maranhão), em que rebolava com as nádegas à mostra.
Mas Tertuliana também apanhou um tanto na esquerda, com a qual se identifica. Ela foi acusada de dar corda para a direita alimentar a narrativa de que progressistas querem erotizar a educação.
Essa hipótese ela se recusa a comprar, diz. “A esquerda também, às vezes, incorpora diversos elementos do fascismo.”
Para a vocalista da banda A Travestis, de músicas como “Murro na Costela do Viado”, não é justo levar a culpa por municiar o outro lado. Sua própria existência bastaria para o ultraconservadorismo espalhar o pânico moral, afirma. “Só de eu ser travesti já instrumentaliza a direita. Eles dizem que travesti é contra a Bíblia, enfim, a gente já sabe todo o discurso deles. E é muito triste que isso aconteça, mas acho que não fui eu que instrumentalizei a direita, eles que se instrumentalizam.”
O ato que arrastou seu nome para o centro das guerras culturais aconteceu na quinta (17), durante o seminário Dissidências de Gênero e Sexualidades”. No instante que viralizou, Tertuliana se levanta, sobe na cadeira e balança os glúteos enquanto canta: “No mestrado da putaria, vou te ensinar gostoso”. A letra segue com mais expressões de cunho erótico.
A piauiense criada em Salvador conta que já reproduziu a performance em outras universidades. Até provocou celeuma, mas nada parecido com o que rolou agora.
Em nota, a UFMA diz que “está averiguando o ocorrido e tomará as providências cabíveis”. A canção, segundo a instituição, é “inapropriada para o momento e a construção do debate acadêmico-científico em que se encontrava”.
Nikolas Ferreira diz que vai acionar a Procuradoria-Geral da República para investigar o caso, que também pretende discutir na Comissão de Educação da Câmara, presidida por ele.
Tertuliana destrincha o que chama de pegagogia libertadora em seu “Manifesto Traveco-Terrorista”. O texto se vende como uma “arma de clandestinidade intelectual” e adapta um lema da feminista Simone de Beauvoir ao dizer que “não se nasce mulher, torna-se traveca”.
Muito do conteúdo que levou para a UFMA está ali. Ela diz, por exemplo, querer “iniciar um debate levantado através da aula ‘Educando com o cu: traveco-terrorismo e descolonialidade de gênero na arte’, para pensar implicações do prazer e do corpo enquanto potências pedagógicas e artísticas”.
Ela pegou esse nome de Tertuliano, protagonista do livro “O Homem Duplicado”, de José Saramago. “Quando comecei a transição estava lendo esse livro e achei um nome bem satírico, tudo a ver comigo.” Tinha 18 anos ao iniciar seu processo para virar uma mulher transgênero.
Os ataques que sofreu, à esquerda e à direita, não superaram a felicidade que a pesquisadora diz sentir ao ver que o seu “trabalho está chegando em tantas pessoas”.
Além de disparar em números de seguidores, hoje mais de 40 mil no Instagram, Tertuliana conta que “vendeu muito” numa plataforma para conteúdo adulto. Essa é uma outra fonte de renda dela.
“Por outro lado, fiquei um pouco ansiosa e acabei não dormindo muito nos últimos dias”, diz. “No primeiro dia eu dormi duas horas, no segundo, dormi quatro horas. E agora eu dormi um pouquinho de tarde, já tô melhorando.”
You must be logged in to post a comment Login