O governo de Gabriel Boric, presidente do Chile, parece enfim ter encontrado uma saída para atenuar as tensões em torno do sistema previdenciário do país —que desde os anos 1980 se tornou objeto de debate político e econômico que transcende as fronteiras chilenas.
Por meio de um entendimento com a oposição à direita, foi possível aprovar, na semana passada, uma reforma do regime legado pela ditadura de Augusto Pinochet, que se estendeu de 1973 a 1990. A dez meses das eleições presidenciais e legislativas, a mudança pode ser um trunfo para a esquerda alinhada a Boric.
Para o país, trata-se de um caminho mais sensato depois de tentativas frustradas de mudar todo o seu ordenamento jurídico.
Com políticas liberais —entre elas a previdência privatizada, em que cada pessoa poupa para sua aposentadoria— mantidas pela democracia, o Chile ostentou por décadas o melhor desempenho econômico da região.
Sua renda per capita era inferior à brasileira em 1984 (US$ 9.000 ante US$ 12,3 mil, segundo o cálculo do Fundo Monetário Internacional que leva em conta o poder de compra das moedas). Hoje, ela se aproxima do padrão rico, com US$ 29,5 mil, bem acima dos US$ 19,5 mil no Brasil.
Isso não impediu, porém, uma onda de protestos populares em 2019, que suscitou comparações com o que já ocorrera aqui em 2013. Os motivos eram difusos, mas a insatisfação de idosos de baixa renda com as aposentadorias estava entre os principais. Daí decorreram a eleição de Boric e propostas desencontradas para uma nova Constituição, que não obtiveram apoio na sociedade.
A reforma ora aprovada, longe de desmontar completamente o modelo de capitalização, preserva os fundos de pensão como o motor do sistema e a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres.
A mudança chilena está assentada especialmente na obrigatoriedade de aportes de empresas públicas e privadas. Essa arrecadação adicional será destinada a elevar benefícios e corrigir disparidades, inclusive de gênero.
Em princípio, espera-se que as novas regras sejam capazes de elevar os valores recebidos por cerca de 20% da população até o fim desta década. Deseja-se, ademais, a inclusão de jovens e trabalhadores informais.
É cedo para dizer se a reforma atingirá seus propósitos e será sustentável. Em todo o mundo, sistemas previdenciários precisam ser ajustados de tempos em tempos. O Chile acerta ao fazê-lo de modo racional, não à base de comoção e reviravoltas.