Na sexta-feira à noite, liguei para a minha mãe, aquele momento básico de catarse semanal. Entre desabafos sobre a minha vida, que agora eu chamaria de modesta, mas, na verdade, é uma ode à humilhação, percebi que deixei de fazer metade das coisas que gostava porque a outra metade já virou uma utopia financeira, mesmo na época em que eu ainda podia. Só que agora eu não posso. E, mesmo que pudesse, talvez nem quisesse. Mentira, queria sim.
Sinto falta dos amigos que não sentem a minha. Claro, passei tanto tempo fora do radar que minha ausência virou uma vaga no mercado, e eu perdi a seleção. Nos feeds de Instagram, vejo novos jantares com novos amigos, aqueles das cadeiras giratórias que agora fazem roadtrips pela Califórnia. E tem os colegas que mal conseguiam cumprimentar no corredor, mas que agora aparecem em fotos com taças de vinho e pratos de cerâmica sob o tampo de mármore de uma mesa saarinen, com uma espontaneidade milimetricamente calculada para ficar bem no feed.
Os que ainda lembram da minha existência me convidam para os clássicos: festas de aniversário que custam o PIB de um país pequeno, happy hour no boteco (mas, sério, até boteco tá caro), lançamento de coleção de verão 2025, soirées, cafés corporativos que não servem café decente.
Minhas desculpas variam conforme a intimidade. Para alguns, sou o filho dedicado que vai para a casa dos pais todo sábado. Para outros, estou na casa dos pais mesmo (mentira!). E, para os mais próximos, solto um “estou segurando grana, gente”, quando, na real, não há grana para segurar. O dinheiro evaporou. Estou em casa, no máximo comendo passatempo e assistindo “Emily em Paris”, sonhando com uma vida que já nem lembro se tive.
Em uma dessas conversas com a minha mãe, ela soltou: “Amigos só fazem coisas que custam dinheiro. Ninguém te chama para jantar em casa?”. Na hora, achei que ela estava delirando na falta de amigos. Depois, me peguei pensando: quem é que quer fritar bife e lavar louça no dia seguinte, quando pode postar uma selfie num restaurante caro? Talvez estejam certos. Talvez eu tenha amigos errados no meu momento incerto. Ou talvez eu seja o errado no momento certo deles.
O mais curioso é ver como o saldo da conta afeta as amizades. Ninguém me chama para o Masp na terça (grátis, hein!) ou para a Pinacoteca no sábado (também na faixa!). Ou para uma volta no Minhocão, que virou parque e que nem está mais tão na moda. Nem para sentar no sofá de casa e jogar conversa fora. Sentar na grama da praça Buenos Aires? Pff, como se aproveitar uma boa companhia sem gastar fosse uma possibilidade real nesse nosso pequeno teatro capitalista.
No final das contas, talvez a moral da história seja que a gente paga pelas amizades tanto quanto paga pelo dry martini no bar da moda. Ou vai ver que a amizade, assim como o cartão de crédito, tem seu limite. E quando o limite estoura, não há cashback emocional que resolva. Porque a verdade é que, nesse grande mercado de relações, amizade sem dinheiro é igual happy hour sem álcool: todo mundo finge que é legal, mas, no fundo, sabe que não vai durar. Então, se tem uma coisa que aprendi com essa modesta vida de ex-bon vivant é que, na selva do capitalismo emocional, quem não gasta, não participa.
Bob Friandes é publicitário com formação em artes visuais pela Belas Artes de São Paulo e pós-graduado em cultura material e consumo sob perspectivas semiopsicanalíticas pela ECA/USP. Escreve crônicas autoficcionais como forma de exorcizar a si mesmo e delapidar a sociedade que o cerca
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