Para Vera Iaconelli, o Brasil tem muito em comum com pacientes no divã. O que ela chama de paixão pela ignorância, por exemplo, é um desses pontos. “É tão claro que o Brasil não quer saber sua história”, diz a colunista da Folha, num debate no espaço do jornal na Flip, “e o paciente no divã também recusa saber mais, descolando seus sintomas”.
A autora de “Manifesto Antimaternalista“, de 2023, e do recém-lançado “Felicidade Ordinária” conversou com outra colunista do jornal, Bianca Santana, sob mediação de Paola Rosa.
O título do novo livro de Iaconelli guiou a conversa, marcada por um público estrelado, como a escritora Natalia Timmerman e Tati Bernardi, também colunista da Folha.
Mas ser feliz não é tão fácil –e tem ares de obrigação sob o neoliberalismo, segundo Iaconelli. Ela prega que descobrir a felicidade ordinária é um antídoto à ideia de que a produtividade –”precisa fazer pão, precisa acordar cedo, precisa fazer ioga”– é a chave para o sucesso.
“O sofrimento é a possibilidade de se sentir vivo, de reconhecer os momentos felizes”, diz ela, citando Freud. Para a escritora, o capitalismo inverte essa lógica.
Santana, que escreveu “Quando me Descobri Negra”, de 2015, e “Arruda e Guiné”, de 2022, diz, ainda, que é difícil celebrar num país em que uma pessoa negra é morta a cada 12 minutos. Mas ela afirma, lembrando das suas aulas com Ecléa Bosi, que não existe nada mais anticapitalista do que uma pessoa satisfeita com a própria vida.
A escritora lembra sua trajetória no feminismo, com a Casa de Lua, um coletivo na zona oeste paulistana, em que havia um combinado de não contratar pessoas para fazer faxina. O trabalho sobrava para as mulheres negras, que passaram a se reunir em círculos de conversa.
Dessa experiência surgiu o “Quando me Descobri Negra”, que, diz, hoje ela já escreveria diferente. Vem da vivência dela, anterior às pesquisas que levaram à escrita de “Continuo Preta”, a biografia de Sueli Carneiro.
A maternidade, era de se esperar, foi tema. Santana, mãe de três filhos, conta da própria experiência com cuidado mais coletivizado, dividido com uma vizinha e com a avó das crianças, mas fala também dos quilombos e das periferias do norte de São Paulo.
Iaconelli pega a deixa e critica os homens. “Eles não sabem se cuidar e isso é caro”, diz. Ela afirma que as mulheres precisam abrir mão do seu lugar de prestígio no cuidado e deixar aflorar o cuidado imperfeito na mão dos homens.
You must be logged in to post a comment Login