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Victorias Secret desfila o que quer sem esperar julgamento – 17/10/2024 – Ilustrada

Victorias Secret desfila o que quer sem esperar julgamento - 17/10/2024 - Ilustrada

Teté Ribeiro

Foi impossível ignorar a volta do desfile da Victoria’s Secret, que aconteceu nesta terça, em Nova York. A transmissão ao vivo no streaming e nas redes sociais estourou —no YouTube, já são quase 20 milhões de visualizações.

Desde as minhas filhas, de dez anos —que ainda nem usam sutiã e para quem o conforto ainda é a medida essencial de todas as roupas—, a todos com quem interagi nos últimos dias, em algum momento o assunto esbarrava no tal desfile. As reações a ele, no entanto, não podiam ser mais diversas.

Rita, uma das minhas meninas, estava empolgada com a apresentação de Lisa, do grupo de k-pop Blackpink, e com a presença da modelo Gigi Hadid —que até agora não entendi como ela conhece.

Um colega resumiu o desfile assim —o pop cansou de bater, apanhar e tentar agradar e voltou a fazer as coisas como sempre, com gente linda, jovem e magra com pouca roupa e uma ou outra diferente para escapar das críticas.

A marca de lingerie foi criada em 1977 com um conceito simpático —oferecer produtos sexy e de boa qualidade, vendidos em lojas em que qualquer pessoa poderia ser bem atendida.

Entre as novidades, uma hoje seria inaceitável —os clientes que não sabiam o manequim das pessoas que iriam vestir o produto podiam pedir que uma vendedora experimentasse. E quem fosse comprar para si, mas não queria trocar de roupa, podia pedir que as atendentes medissem seu corpo.

O nome era uma homenagem à rainha Vitória, da Inglaterra, de quem Roy Raymond, criador da marca, era fã. Tataravó da rainha Elizabeth 2ª, Vitória era um ícone de seu tempo e simbolizava valores rigorosos. O nome brinca com essa imagem da monarca.

Não foi a Victoria’s Secret que criou o ideal de beleza das mulheres que desfilavam suas peças —jovens, magras e deslumbrantes, com longos cabelos esvoaçantes. Mas é inegável que isso ajudou a empresa a vender muito mais calcinhas, sutiãs, cremes e perfumes do que qualquer mulher precisa.

O que a Victoria’s Secret fez, um toque de gênio que uma hora perdeu a sintonia com o mundo, foi criar um ranking entre as mulheres. As mais abençoadas pela genética eram chamadas de “anjos” e atravessavam as passarelas seminuas, com asas gigantes, num mar de outras modelos, igualmente jovens e lindas, porém consideradas mais “basiquinhas”. Todas seminuas. Mas como poderia ser diferente, num desfile de uma empresa que vende calcinha e sutiã?

Mas tudo o que sobe também desce, e não foi diferente com os desfiles exuberantes da marca, que viveu seu auge nas décadas de 1990 e 2000, quando as brasileiras Gisele Bündchen, Adriana Lima e Alessandra Ambrosio marchavam aladas pelas passarelas.

Em 2018 houve o último desses desfiles, em clima de despedida. Depois de seis anos no purgatório da moda e do comportamento, eis que a grife volta com o desfile mais deslumbrante de sua história, um evento cultural para as massas.

Dessa vez, o conceito de anjo ficou bem mais abrangente. Mulheres transexuais, mais velhas, gordas e não modelos cruzaram a passarela, com asas estilosas, tratadas como peças de arte. Era como se aquele desfile representasse uma mudança radical da experiência humana na Terra. Todo mundo pode ser lindo, todo mundo pode ser um anjo.

Mas pode mesmo? Se bastasse comprar uma calcinha, um sutiã, improvisar uma asa e se equilibrar num salto alto para ser considerado um anjo, vamos todo mundo fazer isso na fila do banco, na cozinha de casa, no almoço de família.

No fim das contas, a impressão que fica é a de que, em vez de esperar o julgamento da história, a marca —hoje um negócio bilionário parte de uma grande corporação— resolveu se antecipar e resolver o problema fora dos tribunais, cedendo o mínimo para fazer tudo como gostaria de verdade. Ou, como dizia minha avó Alcina, é como se os executivos da marca tivessem decidido fazer uma pausa e “ver como é que está, para ver como é que fica”.





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