De quadros de Van Gogh à lápide de Charles Darwin, ativistas do grupo Just Stop Oil têm usado táticas polêmicas e espaços inusitados no Reino Unido para protestar contra a inação de políticos e empresas diante da crise climática.
No ano passado, 16 ativistas do Just Stop Oil foram condenados a um total de 41 anos de prisão por ações de desobediência civil relacionadas ao bloqueio de infraestruturas petrolíferas e de estradas, entre outros protestos —as penas mais longas da história do Reino Unido por um protesto pacífico.
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Na semana passada, centenas de manifestantes bloquearam as ruas em frente ao tribunal em Londres onde acontece o julgamento do recurso para a redução das penas, chamando os ativistas de “prisioneiros políticos” e denunciando o que entendem como “corrupção da democracia e do Estado de Direito”.
É desses protestos disruptivos que respostas contundentes à crise climática podem ser impulsionadas, defende o filósofo Roman Krznaric, australiano radicado na Inglaterra.
“Passei a maior parte da minha vida em bibliotecas, lendo e escrevendo livros. No entanto, devido ao que aprendi, acabei participando de protestos com minha filha adolescente, bloqueando vias em Londres, em frente ao Parlamento”, conta ele, que veio ao Brasil no final de 2024 para lançar o livro “História para o Amanhã: Inspirações do Passado para o Futuro da Humanidade” (Difel).
Na obra, os movimentos pelo fim dos combustíveis fósseis que foram para as ruas nos últimos anos, enquanto a Terra registra recordes de calor, são descritos como uma das cinco razões para a esperança radical.
Não à toa Krznaric enviou recentemente uma cópia do seu novo livro para Roger Hallam, cofundador do grupo Extinction Rebellion, pioneiro nos protestos climáticos no Reino Unido e um dos cinco ativistas a receber, em julho passado, a pena mais longa na história do país pela promoção de ações não violentas.
“Quando percebi que meus filhos poderiam estar vivos em 2100, pensei: ‘esse futuro não é ficção científica, é o futuro deles’. Não importa onde você esteja no espectro político —à esquerda, à direita, no centro, verde ou não verde— todos temos jovens em nossas vidas que serão os cidadãos do amanhã. Como podemos ser bons ancestrais para eles? Essa é a pergunta que me faço todas as manhãs”, diz, evocando o título de um dos seus best-sellers, “Como Ser um Bom Ancestral” (Zahar).
Durante encontros com filantropos, Krznaric tem defendido a necessidade de que apoiem movimentos disruptivos, citando o exemplo de Adam McKay, diretor do filme “Não Olhe para Cima” (2021), um dos financiadores de grupos como o Just Stop Oil.
Em entrevista à Folha, o cofundador da The School of Life, escola voltada ao desenvolvimento de inteligência emocional, discorre ainda sobre a importância de assembleias cidadãs e legislações pelo bem-estar das futuras gerações.
Quais são os melhores exemplos da história para inspirar a ação climática?
O que realmente me chamou a atenção ao escrever este livro é que, na verdade, os movimentos disruptivos são absolutamente fundamentais para colocar uma crise na agenda política e mudar o que é considerado normal ou possível.
Se olharmos para o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, não foi apenas o movimento em torno de Martin Luther King Jr., os protestos, as greves, mas o Malcolm X e os Panteras Negras que assustaram e moveram o “establishment” político.
Precisamos dos aliados tradicionais como o [grupo ambientalista] Friends of the Earth ou outros fazendo o trabalho de “advocacy” junto aos políticos, mas não consigo ver como podemos fazer isso com rapidez sem os movimentos radicais como Ende Gelände, da Alemanha, ou Just Stop Oil e Extinction Rebellion, do Reino Unido.
O senhor frequentemente enfatiza que o curto-prazismo é uma limitação para a construção de sociedades resilientes. Quais são os esforços mais significativos para institucionalizar a tomada de decisões a longo prazo?
A lei mais importante que conheço é de Bem-Estar das Gerações Futuras, de 2015, do País de Gales. Para a implementação desta lei, existe um comissário que analisa e avalia o impacto das políticas públicas 30 anos à frente, de todas as áreas. Esse trabalho envolve também os diferentes departamentos, agências e gabinetes governamentais, que têm de preparar relatórios anuais sobre os seus impactos nas gerações futuras.
Durante a Cúpula do Futuro, realizada em setembro do ano passado, o secretário-geral da ONU [António Guterres] anunciou que haverá um comissário internacional para as gerações futuras.
No Canadá, quando o governo publica o seu orçamento, precisa considerar o impacto das suas escolhas às diferentes gerações. Há também esforços no campo dos direitos constitucionais e legais, como nos Estados Unidos, onde está em curso uma campanha pelo direito a uma atmosfera saudável para as gerações atuais e futuras, com uma vitória importante no estado de Montana recentemente.
Como mobilizar as pessoas para imaginar futuros melhores e redesenhar nossa democracia em tempos de crescimento do autoritarismo e de “podridão cerebral” [sensação causada pela sobrecarga digital, eleita a palavra do ano de 2024 pelo dicionário Oxford]?
Você pode ter todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do mundo, mas, se o seu sistema político ainda estiver preso a ciclos de curto prazo, não iremos longe.
Além disso, nenhum país está fazendo o que precisamos, na velocidade e escala necessárias, para um planeta com aquecimento abaixo de 1,5°C. E as nossas democracias estão falhando com as pessoas de outras formas, não assegurando direitos básicos como habitação, cuidados de saúde ou empregos estáveis.
Por isso, o declínio sistemático da confiança nos partidos políticos e em instituições democráticas nos últimos 30 anos é, em parte, o porquê da ascensão da extrema direita.
É importante envolver as pessoas, dar a elas participação, pertencimento, agenciamento. As assembleias cidadãs, ao selecionarem pessoas de forma aleatória e assegurarem a diversidade social, étnica, etária e de gênero, têm sido uma das transformações mais significativas na democracia.
Nos últimos anos, tivemos centenas de assembleias de cidadãos em toda a Europa, e Bruxelas agora conta com uma assembleia permanente de cidadãos sobre o clima.
No seu livro, o senhor menciona um evento no qual um executivo da Shell discorre sobre a necessidade da produção de petróleo e gás para financiar a transição energética. Estamos vendo algo semelhante aqui no Brasil, com a Petrobras defendendo ampliar a exploração de petróleo nos próximos anos. O que teria a nos dizer sobre isso?
Entendo que, por causa das desigualdades e outros problemas, países como o Brasil se preocupem em gerar renda para investir em educação e em outras áreas. Mas, nos últimos 25 anos, 40% do crescimento do PIB global foi concentrado no 1% mais rico da população, enquanto 50% das pessoas na base ficaram com apenas 2% desse crescimento.
O petróleo e o gás foram fantásticos no século 20, mas sabemos demais sobre seus impactos e como já estão a e irão prejudicar as pessoas. Não há outras formas de tirar as pessoas da pobreza, como a redistribuição da riqueza, por exemplo?
Por que, na sua opinião, o movimento ecológico não está levando suficientemente em conta os riscos da inteligência artificial?
Acho que a razão pela qual ela é tão importante é porque a IA é o que você poderia chamar de “omnimodal”. Essa é uma expressão que peguei emprestado do brilhante pensador Daniel Schmachtenberger: um tipo de tecnologia que pode ser anexada a outras.
Você pode usar inteligência artificial para encontrar curas para o câncer. Você pode usá-la para fazer melhores previsões meteorológicas e evitar perdas da produção agrícola. Ela pode ser utilizada para encontrar mais petróleo onde nunca pensaram existir.
Muitas pessoas dizem que podemos adotar a inteligência artificial para o bem, mas ela também será adotada como um acelerador dos nossos problemas.
O segundo motivo é um pouco mais difícil de elaborar. Devido ao potencial de disseminação de informações falsas, sistemas globais de IA em grande escala têm o potencial de promover o colapso da realidade. Essa cultura de hiperdesinformação, que está chegando como um trem, me preocupa muito, especialmente pelo impacto que terá na forma como os movimentos se mobilizam e se comunicam.
Poderia contar um pouco sobre o projeto que pretende apresentar na COP30?
Em 2015, cofundei um museu chamado Museu da Empatia, onde as pessoas podem literalmente calçar os sapatos de outra pessoa, como o de um ativista ecológico, de um monge budista ou de uma criança de uma favela.
Estamos trabalhando com uma organização brasileira chamada Intermuseus, e o nosso plano é coletar sapatos e histórias da Amazônia, para que os delegados na COP30 possam se colocar no lugar e ouvir as histórias dessas pessoas.
Acho que precisamos dessa experiência visceral incorporada à conferência, sermos lembrados que existem pessoas no centro desses problemas. Honrá-las e ouvir suas vozes.
Alguns cientistas e parte da sociedade civil têm criticado os fracassos das conferências do clima. Qual a sua opinião sobre isso? Existem caminhos ou alternativas a esses encontros internacionais?
As pessoas envolvidas com as COPs se concentram em detalhes e dizem: “Pelo menos agora temos uma redação que menciona os combustíveis fósseis”. Uma loucura. Por que não se fala em reduzir a produção de combustíveis fósseis e em estabelecer metas vinculativas?
Não estou dizendo que deveriam parar, porque, de alguma forma, mudam a conversa. Provavelmente, o que precisa acontecer são acordos bilaterais entre grandes potências, como a China, a Índia, o Brasil e a União Europeia. Se conseguirmos alguns acordos bilaterais, talvez outros os sigam.
Ao mesmo tempo, precisamos trabalhar a nível municipal, com a descentralização da tomada de decisão. Minha esperança está nas biorregiões. Quase como um retorno ao modelo de cidade-Estado renascentista, como Florença ou Veneza na Renascença, uma cidade-Estado que produza sua comida em sua própria região, busque sua autossuficiência.
E seguir com as lutas pelos direitos das gerações futuras, a campanha em curso pelo reconhecimento do ecocídio, com o fomento a novos modelos econômicos, com trabalho em escolas.
Muitos pequenos barcos navegando rumo a um futuro onde, apesar de termos visões possivelmente diferentes, sabemos para onde devemos ir, para permanecermos dentro dos limites do único planeta que sabemos que sustenta a vida.
RAIO-X | ROMAN KRZNARIC, 54
Sydney, 1970
Doutor em sociologia política, é pesquisador sênior no Centro de Eudaimonia e Florescimento Humano da Universidade de Oxford. É fundador do primeiro Museu da Empatia do mundo e cofundador da The School of Life. Antes de “História para o Amanhã”, escreveu “O Poder da Empatia” e “Carpe Diem: Resgatando a Arte de Aproveitar a Vida”, entre outros livros. Suas obras já saíram em mais de 25 idiomas.
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